Eu vi debaixo dos meus olhos, incrédulo e achando um grande absurdo que ele pudesse fazer aquilo com tamanha rapidez. A mãe nem estava preparada.
Eu tinha um bebezinho em casa. Ele contava com dois anos e oito meses. Um menino.
Como toda pessoa, com processos de aprendizado mais ou menos desenvolvidos.
E o desenvolvimento é como o nascimento dos dentes. Cada rebento tem sua própria ordem e nem adianta os pais tentarem comparar com o coleguinha, mesmo que esse desejo incontrolável transborde dos tutores.
O desenvolvimento de cada indivíduo é particular, característico, pessoal e intransferível. Uma lição que se apresenta no começo da vida e que mesmo assim não compreendemos.
Cada pessoa se desenvolve de uma maneira diferente e as comparações com outras são infrutíferas e perniciosas. A comparação, se existir, cabe apenas consigo próprio, para verificar o próximo passo do desenvolvimento.
Mas nosso caso (eu e a mãe), já estávamos acostumados com aquela inocência e candura. Só que a cada piscar de olhos nós víamos nitidamente: ele estava se desenvolvendo, crescendo, compreendendo, interagindo, se divertindo, tendo desafios para entender os sentimentos e as primeiras frustrações de criança.
Sim. Criança. Nosso bebezinho estava se transformando em criança. Estava crescendo.
Conversamos muito e curtimos a aproximação do aniversário de 3 anos de JL, mas enquanto os preparos da festa física ocorriam, a festa psicológica já se desenrolava a passos largos de dança alegre e pulsante, em celebração de quem só quer viver o hoje e o agora.
Quando, enfim, comemoramos o seu terceiro ano vestindo o avatar físico que lhe coube nessa passagem, olhamo-nos e, num misto de consternados e orgulhosos, constatamos de maneira irrevogável, mesmo a contragosto da mãe: temos uma criança!
A fase de bebê vai já saudosamente se despedindo de nós. E olhe que cuidar de um bebê é trabalho para um batalhão bem treinado, mas que na maioria das vezes é encarado por apenas uma pessoa que se forja no amor sincero e abdicado do dia a dia de quem se dispõe a servir a quem tudo demanda.
Quem passa por essa experiência singular e desafiadora com certeza sai diferente Na maior parte das vezes, melhor do que entrou.
Mas como disse no começo, no momento certo, a coisa passou a se desenrolar muito rápido. Isso é compreensível para quem não vê uma criança todo dia porque, ao olhar mais detido, consegue encontrar com facilidade uma alteração física ou psicológica.
Porém, no nosso caso, estávamos confinados em quarenta e era só ir ao banheiro que o menino já voltava com uma novidade. Estava mais magro, mais coordenado nos movimentos, mais rápido na conversa…Como pode?!
Pra ilustrar o ganho de consciência do pequeno, tem uma passagem interessante que se deu hoje.
Durante a quarentena, definimos um período em que ele pode ver tv. Ele tem liberadas duas horas pela manhã. [Não vou entrar na relevante discussão sobre telas para crianças porque a conversa é comprida].
Depois não vê mais desenhos e nós nos desenrolamos para tentar aplacar a sanha que se reveste num mantra entoado por JL: brincar, brincar, brincar!
Quando ele perde o interesse em nossas brincadeiras, pede para voltar à tv. Explicamos que só no outro dia.
Mas quando há insistência, recorremos à cômoda e questionável astúcia dos adultos e oferecemos a resposta mais cômoda: a internet está com problemas… só amanhã quando o homem consertar.
Pois bem. Reflexo da nova compreensão, hoje enquanto Lillian se desincumbia de alguns afazeres cotidianos, JL entoava o mantra: brincaaaar.
Como Lillian precisava trabalhar e estava na janela de disponibilidade do desenho, ela propôs: pegue Cheetos (nosso Shih-Tzu) e vá com ele para sala assistir desenho.
Só que agora era ele quem não queria mais a tela e imediatamente respondeu: a internet está com problemas, mamãe. Só amanhã quando o homem consertar.
Não se fez de rogado e voltou a reinar no quarto, no que a mãe me traduziu como: está lá esbagaçando com tudo…
A inocência continua, mas a ignorância se despede célere. E nessa quarentena nós vimos nosso bebê se transformar, irrevogavelmente, em uma criança.
(Escrito em 16 de junho de 2020)